sábado, 6 de julho de 2013

Ecos do movimento Muda Brasil

ECOS DO MOVIMENTO MUDA BRASIL
1) O pano de fundo. A eterna desigualdade brasileira que vem dos tempos coloniais. O Brasil sempre foi um país rico para os ricos e miserável para os pobres. Desde que nasceu o Brasil sempre foi uma "colônia de banqueiros". E continua sendo.
2) A dolorosa. Até agora não li nada a respeito do prejuízo causado pelas depredações de parte dos manifestantes, pelas paralisações do trânsito em rodovias. Apenas um Shopping Center da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, reclamou de prejuízo de mais de um milhão de reais apenas por causa de uma dessas manifestações pequenas que impediram o trânsito seguido da ação dos vândalos. Se considerarmos todo o país e todas as manifestações, todos os quebra-quebras creio que a cifra será qualquer coisa na casa de muitos bilhões de reais;
3) Vinte centavos? Hoje a Ana Maria Braga mostrou uma trabalhadora autônoma que vende docinhos. E com ajuda de um contador foi mostrado que ela vendendo cada brigadeiro por 2 reais estava trabalhando no vermelho.
Depois da intervenção do contador ficou acertado que ao preço do brigadeiro seria acrescentado 20 centavos para que a mulher tivesse lucro. Será que uma matéria dessa natureza é gratuita? Alguma indireta?

4) Balas de borracha. Tiro de bala de borracha no olho de uma pessoa eu já tinha visto isso nos conflitos da Intifada. Tiros dados por soldados israelenses acertavam o olho de menino palestino. Vimos isso durante as manifestações que ainda estão aí, a jornalista Giuliana Vallone levou tiro no olho e seu colega, Fabio Braga, tiros no rosto e na virilha (o policial deve ter feito pontaria no sexo do rapaz). Gás lacrimogênio já foi classificado como arma de guerra química, no caso brasileiro matou uma senhora no Pará que nem fazia parte das manifestações. As balas de borracha no olho podem cegar uma pessoa. Está na hora dessas práticas serem questionadas. A própria “militarização” da polícia também está sendo questionada.
5) Algo contra a imprensa? Vários carros da imprensa foram atacados pelos manifestantes em vários estados. Cheguei a pensar se havia algum recado nisso, mas pode ser uma vingança dos próprios vândalos contra aqueles que por função de ofício estão ali para registrar imagens que irão ajudar a polícia a localizá-los. Em todo caso o movimento “Circuito fora do eixo”, dos NINJAS (Narrativas Independentes Jornalismo e Ação) e da POSTV se propõe a ser a “mídia do futuro” baseada em honestidade e ética e livre de condicionamentos comerciais ou políticos.
6) Passeatas pacíficas. Desde cedo ficou claro que os baderneiros não eram presença obrigatória nas manifestações e sim corpos estranhos. Muitas passeatas deram-se em clima de paz, sem quebra-quebra nem incêndios.
7) Passeatas pacíficas inclusive dos pobres. Foi o caso da passeata histórica em que moradores das comunidades da Rocinha e do Vidigal se encontraram na Avenida Niemeyer e se dirigiram à residência de Sérgio Cabral, o governador do Rio de Janeiro. Enquanto o soldado israelense Gilad Shalit esteve seqüestrado pelo Hamas, a família do soldado ficou acampada na frente da residência de Ariel Sharon até que o governo de Israel aceitou trocar o soldado por mil prisioneiros palestinos mantidos nas prisões de Israel. Sergio Cabral usou a polícia militar para retirar os jovens que ficaram acampados na frente do prédio onde ele mora no bairro do Leblon. Cabral se revela menos tolerante que Sharon.

 8) Perigo de golpe militar afastado. Diante de tanta gente nas ruas e das cenas de destruição de patrimônio público e privado, a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro por pouco não virou um Reichstag incendiado. O fantasma de uma reação dos militares estava bruxuleando. O secretário de segurança do Rio de Janeiro, Beltrame, chegou a falar em pedir ajuda às Forças Armadas. Wanderley Guilherme chegou a falar em “cerco reacionário nacional e internacional” (uma questão de “segurança nacional” pois não?). Olavo de Carvalho de uma ótica paranóica anticomunista atribuiu tudo ao Foro de São Paulo em aliança com George Soros. Apesar de ininteligível para nós, para ele uma revolução comunista latino-americana está em andamento. Mas como disse uma vez o general Figueiredo o Brasil é uma mesa muito pesada para ser "virada" à toa. O que está havendo no país é um fato novo enigmático que terá uma solução democrática. As instituições democráticas se abrirão para as massas ou serão rasgadas por elas.
9) O gênio da lâmpada. Os meninos do Movimento Passe Livre (MPL) por um golpe de sorte e não um acerto de análise de conjuntura baseada em conhecimento de psicologia social ou de guerra psicológica, acertaram com uma palavra de ordem que atuou como um palito de fósforo aceso num palheiro. Eles não esperavam pela proporção que o incêndio tomaria. E assustados recuaram. A massa estudantil com a adesão do povo segurou a “tocha olímpica da democracia” e continuou.
10) Violência gera violência. As primeiras manifestações foram violentamente reprimidas pela PM. Se o objetivo era esmagar um movimento que talvez viesse a prejudicar a realização da Copa das Confederações, o tiro saiu pela culatra, o movimento aumentou de volume e passou a contar com o apoio da população. Paradoxalmente a repressão deu força às manifestações.
11) Oscar Niemeyer. Sempre pensei nisso. Niemeyer era arquiteto, mas antes disso era um comunista sincero. Tenho pra mim que ele quando desenhou Brasília pensou em uma revolução social, e fez tudo para facilitar o acesso das massas ao interior dos edifícios e até ao teto. Espelhos d’água até a altura dos joelhos, enormes rampas para o acesso das massas e vidros em vez de paredes. Fernando Collor, percebeu isso e qual Luiz XVI anacrônico, não pensou em aprofundar os espelhos d’água e colocar dentro jacarés? A Brasília de Niemeyer é uma anti-Bastilha, é um convite para o assédio das massas ao poder.
12) Executivo, Legislativo e Judiciário. Segundo Luiz Eduardo Soares o Executivo está prestigiado, o Legislativo desprestigiado. O Judiciário é respingado quando se pensa em impunidade.
13) Viva Dilma. Dilma, o Partido dos Trabalhadores e Lula têm sido vítimas de uma sórdida campanha de “fritura” pela Internet. Mas Dilma foi bastante ousada quando respondeu ao movimento Muda Brasil e propôs: a) Um Plano de Mobilidade Urbana; b) 100% da renda do petróleo para a educação; c) Importar milhares de médicos; d) Oxigenar o velho sistema político; e) Tornar as instituições mais transparentes; f) Tornar as instituições mais permeáveis; g) Tornar as instituições mais resistentes aos malfeitos; h) Reforma política democrática; i) Controle dos deputados pelos cidadãos; j) Combate à corrupção; k) Ampliação da Lei de acesso à informação para todos os poderes e instâncias federativas. Podemos criticá-la por ter proposto essas coisas "reagindo" à pressão das massas nas ruas, "fugindo para a frente". Mas todo esse alfabeto de propostas apontam numa única direção MAIS DEMOCRACIA. Chamo a atenção para a proposta de plebiscito sobre a reforma política que levaria a um aumento da  conscientização do povo para a questão, daí o alvoroço dos que temem a conscientização das massas.
14) Das reivindicações. Partindo do protesto contra o aumento das passagens de ônibus, a pauta das ruas foi aumentando: a) Não à PEC 37 que queria manietar o Ministério Público; b) Renan fora da presidência do Senado; c) Investigação dos gastos da Copa das Confederações; d) Lei que torna a corrupção crime hediondo; e) Fim do foro especial para os políticos; f) Reforma política; g) Melhorar o sistema de saúde; h) Melhorar a educação com dinheiro do petróleo ou 10% do PIB; i) Tarifa zero para todos (objetivo maximalista do MPL). A reivindicação básica foi do Passe Livre a qual por um processo contagioso inflamou toda a população. O fato é que a pauta das ruas é um conjunto de sinais que precisam ser interpretados pela classe política (enquanto os mecanismos de participação das massas no sistema político não são criados) posto que são caóticos e intuitivos. Por exemplo quanto a “reforma do sistema político” será que o povo que foi às ruas sabe o que é voto distrital? distrital misto? Representação proporcional? O que significa financiamento público de campanhas eleitorais? A reividicação das ruas é algo bem ao gosto do povo brasileiro: “Queremos tudo de bom: melhor educação, saúde, transporte, etc”. Sem esquecer que setores estranhos como a velha direita tentou emplacar reivindicações absurdas como uma "greve geral" para o dia primeiro de julho convocada com três dias de antecedência, quando se sabe que o movimento real dos trabalhadores (todas as centrais sindicais e mais de 70 movimentos populares) aprovaram movimentação visando uma greve geral para o dia onze de julho.
15) Das multidões. As multidões humanas parecem que têm vida, são um ser que pensa e reage. Isso fica claro quando vemos plateias de shows de rock sacudindo os braços, ou a “ola” nas arquibancadas de estádios de futebol. Nesse momento deve funcionar uma sensação de pertencimento, de prazer na ação coletiva, de completude, de superação da angustia fundamental do ser humano “dividido”, “incompleto”. Parece mesmo que o povo brasileiro “acordou”. O exemplo máximo se deu na final da Copa das Confederações no jogo entre o Brasil e a Espanha quando o locutor pediu que o hino fosse encerrado atendendo ao protocolo, mas o coro de 70 mil vozes no Maracanã continuou cantando o hino nacional com toda a força de seus pulmões e corações. “Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor” diz tudo.

16) Quebra-quebra. Hoje no programa Esquenta da Regina Casé estava presente o professor Roberto Mangabeira Unger: Pilatos no Credo? Em determinada altura o professor convida o povo brasileiro a "Botar pra quebrar". Rss. Mais do que já está botando professor?
17) Comando azul. Do jeito que do lado da passeata haviam aqueles que se aproveitavam da concentração de gente para objetivos outros como depredar, incendiar, arrombar e saquear lojas, etc. Do lado da PM teve quem denunciasse que viu soldado da PM quebrando vidro do próprio carro da polícia para jogar a culpa nos manifestantes e uma joalheria ter sido arrombada por PMs. Soldados também aproveitaram a carta branca para reprimir e jogaram bombas de gás nos frequentadores normais da Lapa, local muito distante do teatro de guerra das manifestações.
18) Grupelhos de direita foram à rua com o objetivo de hostilizar o pessoal da esquerda (PT, PSTU, PCB, Sindicalistas, etc,) e tentar instigar os manifestantes contra os "vermelhos". Foram bem sucedidos em alguma medida e depois alardearam que o povo está contra a esquerda. É bem verdade que aquela massa não se sente representada pelo atual sistema politico partidário, mas o "antipartidarismo" foi provocado.
19)Do lado da baderna, dos depredadores, dos pescadores de águas turvas tinha figuras para todo tipo de gosto:
a) anarquistas com o objetivo de criar o caos;
b) grupelhos de direita com o objetivo de agredir a esquerda e instigar populares contra essas organizações (PSTU,PSOL, PCB, Sindicatos etc.);
c) bandidos comuns, desses que praticam arrastões com o objetivo de saquear lojas;
d) traficantes deslocados dos morros pela pacificação promovida pela PM com o objetivo de atacar os PMs;
e) jovens iracundos como um estudante de arquitetura que se empolgam e saem destruindo as coisas;
f) grupos de provocadores pagos quem sabe pelos donos de empresas de ônibus ou de partidos de direita com o objetivo de denegrir a imagem do movimento, ou provocar o endurecimento da repressão.
20) Intelectuais da direita , vendo o povo nas ruas e sem entender nada preferiram insistir em sua concepção reducionista e simplista de que o movimento é conduzido pelo PT (Foro de São Paulo) com objetivo de aplicar um golpe de estado revolucionário;
21) A esquerda cooptada pelo governo também não entendeu nada. Luiz Werneck Viana disse que a UNE assistiu a tudo de camarote e olhando de binóculos;
22) O Anonymous. A imagem presente em todas as manifestações da máscara do Anonymous diz da natureza internética do movimento. De sua horizontalidade organizacional (desligado das instâncias institucionais da democracia representativa) e planetariedade; do seu parentesco com o Occupy Wall Street, os Indignados da Espanha e outros. Mesmo que os contextos sejam diferentes refiro-me à forma de ação.
23) O objeto.Todas as marchas sempre se dirigiam para as sedes dos poderes constituídos: sedes de prefeituras e casas legislativas. O que demonstra que o movimento apesar de descolado da vida pública, dos mecanismos de participação democrática é de lá que espera que saia alguma coisa. Trata-se então de um grande movimento de pressão da sociedade sobre as autoridades;
24) A fúria dos vândalos também se concentrava nas prefeituras e no legislativo. Nesse movimento entravam tanto os humilhados e ofendidos pelo capitalismo brasileiro quanto os mercenários a serviço de objetivos escusos;
25) O quebra-quebra. Com certeza foi o quebra-quebra, bastante destacado pela mídia, que fez as autoridades constituídas (prefeitos, governadores e parlamento) contrairem ao máximo os esfincteres e voltar atrás com os aumentos e acelerar a legislação. Lula e Dilma pressionaram o prefeito Fernando Haddad. Eduardo Paes quando telefonou para Haddad declarou "Eu não aguento mais". O secretário de segurança do Rio de Janeiro, Beltrame, ameaçou com as Forças Armadas. Teve autoridade que pensou em retirar o facebook do ar;
26) O preço das passagens foi apenas o estopim, a gota d'água que fez transbordar o pote das mágoas acumuladas no peito da população sofrida com a má qualidade dos transportes e com a vida cotidiana cheia de adversidades e agora com a volta da carestia;
27) Um minuto de silêncio pelas duas vítimas fatais dessa verdadeira revolução que revolveu o país numa velocidade meteórica. Dona Cleonice Vieira de Morais de 51 anos, de Belém do Pará. Ela era hipertensa e não aguentou respirar o gás jogado pela polícia. E o jovem Marcos Delefrate de 18 anos atropelado por um empresário que investiu o carro contra os manifestantes ferindo 12 pessoas e matando o Marcos;
28) Final. Finalizo com uma segunda citação do professor Werneck Vianna: "As pessoas querem ser reconhecidas, querem que sua dignidade e identidade sejam respeitadas".
29) Portanto. Mais amor!

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